sábado, 18 de fevereiro de 2012

DO OUTRO LADO DA TARDE (TRECHO)


“Foi então que, bem lá em cima, a roda-gigante parou. Havia uma porção de luzes que de repente se apagaram – e a roda-gigante parou. Ouvimos lá de baixo uma voz dizer que as luzes tinham apagado. Esperamos. Acho que comemos pipocas enquanto esperamos. Mas de repente começou a chover: lembro que seu cabelo ficou todo molhado, e as gotas escorriam pelo seu rosto exatamente como se você chorasse. Você jogou fora as pipocas e ficamos lá em cima: o seu cabelo molhado, a chuva fina, as luzes apagadas.
Não sei se chegamos a nos abraçar, mas sei que falamos. Não havia nada para fazer lá em cima, a não ser falar. E nós tínhamos tão pouca experiência disso que falamos durante muito e muito tempo, e entre inúmeras coisas sem importância você disse que me amava, ou eu disse que te amava – ou talvez os dois tivéssemos dito, da mesma forma como falamos da chuva e de outras coisas pequenas, bobas, insignificantes. Porque nada modificaria os nossos roteiros. Talvez você tenha me chamado de fatalista, porque eu disse todas as coisas, assim como acredito que você tenha dito todas as coisas – ou pelo menos as que tínhamos no momento.”
(O Ovo Apunhalado – Do outro da tarde) – Caio Fernando Abreu

2 comentários:

Nadine disse...

Oi Valeria! Muito obrigada por me seguir, estou seguindo seus dois blogs. Adorei, muito bom as coisas que tem aqui. E volto depois. Beijo!

Nadine disse...

p.s.: adorei o título do blog.

Clarice *-*
Livro incrível.

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Você, de repente, não estranha de ser você?